04 agosto 2014

"Porque é que não baptizas a tua filha?"

A pergunta surge inúmeras vezes e quase sempre vinda de quem não espero que venha. Tenho plena consciência que é um desgosto que é dado às avós dela, cristãs devotas que encaminharam os filhos para a profecia da sua fé, mas são raras as vezes em que elas, as avós, colocam esta questão aos pais. A questão vem "de fora"! Não me vendo na obrigatoriedade de responder, precisamente porque normalmente são pessoas alheias à linhagem directa da família que me fazem a pergunta, não me importo de prestar alguns esclarecimentos.
No meu caso particular, a transição da adolescência para a "idade adulta", o discurso da igreja católica acerca do uso do preservativo e da interrupção voluntária da gravidez, o crescente número de casos de abusos sexuais de menores praticados sob a cortina cristã, entre um sem número de situações, no mínimo, moralmente discutíveis levaram a que eu próprio levantasse a dúvida acerca da existência de um deus. Se realmente existe como é que permite que milhares de crianças sejam molestadas por pregadores da sua própria palavra? Se realmente existe como é que aceita que os seus pastores condenem o uso do único método preventivo da transmissão de um dos virus mais mortíferos (ainda que indirectamente através da destruição do sistema imunitário) da história da humanidade minimamente eficaz? Como é que aceitou que se dizimassem milhares de mouros em acções de evangelização à força na idade média? Como é que aceitou que se queimassem vivas milhares de pessoas porque adoeciam mentalmente?
Voltando à tal questão, respondo, por norma, "porque não me sinto na autoridade moral de impor uma religião à minha filha"! Normalmente a contra-resposta apresenta um discurso dentro do "o baptismo não a obriga a ser católica mais tarde!"... A resposta é "Nim!". Se para deixar de ser sócia do FC Porto porque resolveu ser do Braga lhe basta deixar de pagar as quotas, para deixar de ser católica tem de percorrer um caminho bem mais sinuoso. Vejamos:
Coloquei, já por várias vezes, a possibilidade de recorrer à apostasia (anulação dos sacramentos), como tal pesquisei em inúmeros locais na internet acerca das etapas burocráticas exigidas para dar seguimento a essa intenção. Descobri, então, que perante o crescente número de dúvidas manifestadas por diversos sacerdotes acerca do tema em causa, o Vaticano, em 2006, resolveu prestar esclarecimentos sobre o "actus formalis defectionis ab Ecclesia catholica". Soube-se então que para anular o baptismo é necessário cumprir com os seguintes passos:
  • Apresentar um requerimento formal na paróquia onde o baptismo foi realizado. Do requerimento têm de constar o dia e o local da cerimónia e, se possível, deve-se anexar uma cópia da certidão do referido sacramento;
  • Anexar uma cópia do cartão de cidadão ou do bilhete de identidade;
  • Se possível entregar pessoalmente o pedido e ir acompanhando o processo junto da paróquia;
  • Não sendo possível cumprir com a etapa anterior, o pedido deve ser enviado por carta registada com aviso de recepção ao qual se deve juntar um envelope selado e endereçado ao requerente, para que a paróquia possa remeter uma certidão de baptismo onde o acto de apostasia esteja averbado.

Como vemos, não é assim tão simples quanto isso! Mas mais grave ainda é o facto, recentemente relatado num dos programas matinais da televisão portuguesa, em que o acto de apostasia foi negado a um "ex-crente" por um bispo cá do burgo. Fundamentando-se no princípio de que o baptismo é um sacramento não anulável ("Uma vez batizado, o cristão é para sempre um filho de Deus e um membro inalienável da Igreja e também pertence para sempre a Cristo.") o sacerdote negou o acesso a um direito ao qual o Vaticano já havia aberto as portas, ainda que intermitentemente ("A apostasia não anula todos os vínculos do desbatizado com a instituição católica. Para o Vaticano, "o liame sacramental de pertença à Igreja" dado pelo batismo é "ontológico, permanente e não cessa por causa de nenhum acto de defeção""). Chegamos então ao "Nim!" respondido anteriormente: Sim, é possível (por muito que alguns pastores não o queiram) recorrer à apostasia e anular os sacramentos. Sim, estatisticamente, é possível deixar de ser católico. Não, perante a Igreja Católica, a desvinculação nunca é totalmente efectivada uma vez que, mesmo após a anulação do baptismo, a pessoa continuará a pertencer à Igreja. Incongruente mas é assim que é!

Cito uma afirmação encontrada num artigo de um blog que fala português mas está do lado de lá do atlântico:
(O baptismo é) "uma violência engendrada por familiares diante de uma criança, um bebê, que tem seu direito de pessoa humana deixado de lado - afinal imputam-lhe uma decisão, muito séria, em momento de vida onde o ser não reúne condições sequer para controlar o próprio esfíncter, imagine escolher uma crença!".

Para finalizar, a minha resposta definitiva à questão é a que tenho vindo a dar vezes sem conta: Porque não me sinto na autoridade moral de impor (e impor é mesmo a palavra adequada!!!) uma religião à minha filha!


Nota do autor:
Se encontrou este artigo porque pretende desvincular-se da igreja católica poderá obter toda a informação necessária vendo este video. A base para o texto a dirigir à paróquia pode ser encontrada aqui.

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