26 maio 2014

Europeias 2014 - O filme de sempre e os descontentes sem razão

Ontem, bem cedinho, vesti uma roupa especial, agarrei na esposa e lá fomos nós exercer o nosso dever cívico. Poderia dizer ainda que fomos reclamar o nosso direito cívico, uma vez que se fosse há quatro décadas atrás o caminho de casa à mesa de voto teria sido feito apenas por mim e, para o fazer, teria que me assumir, por escrito, como chefe de família católico e preceder a assinatura da declaração com um pomposo "a bem da nação". Assim não o entenderam cerca de dois terços dos eleitores portugueses. São mais de seis milhões de eleitores que preferiram não perder 15 minutos dos seus passeios dominicais em detrimento de tomar parte activa na organização de um parlamento que, cada vez mais, vai dando orientações aos governos europeus nas tomadas de decisões que influenciam o futuro de cada um de nós e que, quando essas orientações não são atendidas, as transformam em imposições. Numa altura em que o povo todo reclama do estado da nossa democracia, temos seis milhões de almas que se estão a marimbar para essa mesma democracia! Seis milhões de portugueses moralmente impedidos de se queixarem de qualquer decisão que a UE tome e que afecte directamente as suas vidas!
Mas, mesmo assim, houve 3 milhões que lá foram mostrar as suas intenções. Desses três milhões, alguns milhares residem no Distrito de Bragança. Aquele distrito no Nordeste do país a quem "roubaram" uma maternidade há uns anos e a quem, agora, querem roubar a única que sobra. Aquele distrito onde fecharam serviços de urgências na quase totalidade das Sedes de Concelho e a quem querem tirar o Helicóptero de Emergência Médica. Aquele distrito que querem deixar com apenas três repartições de finanças e onde já fecharam dezenas de estações de Correios. Aquele distrito que começou a ficar sem comboio numa madrugada de comunicações telefónicas cortadas e que o perdeu definitivamente numa sequência de descarrilamentos suspeitos ocorridos num local onde, curiosamente, agora é erguida uma barragem para produção de energia sob as mãos de uma daquelas empresas que nunca soube o que é a crise. Aquele distrito que só na segunda década do Séc. XXI soube o que é uma auto-estrada e que agora vai ter de pagar para andar nela sem nenhuma alternativa gratuita decente. Aquele distrito que é dos mais experientes a nível nacional na elaboração de petições públicas e que, quando tem uma oportunidade real de alterar o rumo das decisões que o afectam, se manifesta assim no Concelho da sua capital, manifestação reflectida na quase totalidade dos restantes Concelhos:

Três quartos dos seus eleitores, simplesmente não querem saber do que vai acontecer no futuro. Não querem saber se terão que ver nascer os seus descendentes em Vila Real, no Porto ou em Zamora. Não querem saber se terão que fazer cerca de 100 Km para pagar o IVA dos seus negócios. Não querem saber se o seu socorro numa situação de acidente é prestado em uma ou em três horas. Não querem saber de nada! Garantidamente que a Serra da Sanábria teve muitos visitantes brigantinos para apreciar o, previsivelmente, último nevão da temporada. E que a albufeira do Azibo teve muitos nordestinos a apreciar os primeiros raios de sol depois de uma semana e meia que fez lembrar o mês de Janeiro. "O que importa é gozar o momento!" "Carpe Diem, porque amanhã logo se vê." "O futuro para os nossos filhos que o construam eles!" Um desinteresse que se confunde com um egoísmo de proporções épicas.
Mas não ficamos por aqui! Da quarta parte que achou por bem ir meter a cruzinha no papel, a maioria acha que as coisas estão bem como têm estado nos últimos anos! Mais de 70% dessa quarta parte acha que o quinteto composto por Durão, Santana, Sócrates, Portas e Coelho tem sido justo com o Distrito, o que, mais uma vez, me leva a afirmar que o povo Nordestino tem menos do que realmente merece! Poderiam rebentar com os acessos todos ao Distrito, fechar todos os hospitais e restantes serviços públicos, que os resultados eleitorais não iriam fugir muito ao que está representado na imagem anterior!

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas."
Guerra Junqueiro - Pátria (1896)


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Ontem bem cedinho, com a minha roupa especial, fui votar. E fui bem cedinho porque eu voto numa freguesia do Concelho de Sintra e fiz questão de sair de casa a tempo de chegar a Bragança com as mesas de voto abertas para que o meu pai, que passou a última semana em minha casa, tivesse a oportunidade de exercer um direito pelo qual lutou e arriscou a vida, não fosse ele um militar de Abril!

1 comentário:

  1. É assim camarada. Os números não mentem e lá se confirma, mais uma vez, um povo resignado,inculto, até diria cobardemente inculto, muito preocupado com a melhor maneira de chorar (porque neste paí quem não chora, não...)e de não contribuir para o bem comum. Quando o egoismo e o comodismo atigem estes valores, então é caso para se dizer "fujam todos, emigrem, porque aqui já nada se pode fazer. Gostaria de esclarecer que sou trasmontano, do Concelho de Chaves

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